sábado, 8 de setembro de 2012

Conheça o cardeal que passou 15 anos refugiado em uma embaixada fugindo da perseguição comunista.

Mesmo que isso ocorra, Assange estará longe de bater o recorde para casos desse tipo, que pertence ao cardeal húngaro, Jozsef Mindszety.
O religioso passou 15 anos na embaixada dos Estados Unidos em Budapeste, na Hungria, fugindo da perseguição do regime soviético.
O drama teve início durante a chamada Guerra Fria, na madrugada do dia 4 de novembro de 1956. Um levante anticomunista estava sendo articulado, mas Mindszenty, que era o líder da Igreja Católica na Hungria e um notório opositor do regime, recebera informações de que tropas soviéticas haviam chegado à cidade para suprimir o movimento.
O cardeal se viu às voltas com uma escolha difícil: fugir ou ficar e ser preso.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Mindszenty já havia sido aprisionado pelas autoridades simpatizantes dos nazistas e se converteu em um crítico mordaz do governo comunista que se instalara na Hungria após a guerra.
Como resultado, ele passou oito anos na prisão, acusado de traição e foi libertado alguns dias antes do 4 de novembro de 1956 por forças contrárias ao governo comunista envolvidas no levante.
Por isso, Mindszenty decidiu fugir.

Abrigo

Não muito longe dali, na embaixada americana, o sargento Gerald Bolick terminava sua ronda matinal quando avistou, olhando pela janela, quatro pessoas que se aproximavam: dois vestiam uniformes do Exército e dois vestiam roupas eclesiásticas pretas.



“Então, corri pelas escadarias abaixo e abri a porta.”
Naquele momento, contou Bolick, a embaixada recebeu uma mensagem codificada de Washington. “Se o cardeal aparecer, dê abrigo a ele – era mais ou menos o conteúdo da mensagem”.
Bolick e a pequena equipe de fuzileiros navais responsáveis por proteger a embaixada se viram às voltas com um problema.
“Os soviéticos tinham ocupado a Rádio Magyar. Eles transmitiram uma mensagem dizendo que iam entrar na embaixada e levar o cardeal. E que isso aconteceria durante a noite”.
Os fuzileiros se prepararam para o ataque, reunindo todas as armas de que dispunham.
“Não íamos entregá-lo sem uma boa luta”, relembra o sargento. “Quem quer que tivera a ideia de tirar o cardeal da embaixada, com certeza era um incompetente”.
Após algumas horas de tensão, ficou claro que os soviéticos não iam invadir a embaixada. Mas o levante tinha sido suprimido. Os comunistas, com o apoio da União Soviética, retomaram o poder e milhares de húngaros foram aprisionados.



Dentro da embaixada, os aposentos do chefe da missão foram alocados ao cardeal. Eram duas salas – uma grande e uma pequena – e um pequeno banheiro. A embaixada era uma mansão de cinco andares situada em uma esquina no centro de Budapeste.

Passeios no pátio

Aos poucos, a vida do cardeal Mindszenty entrou em uma rotina, que incluía passeios diários em um pequeno pátio atrás do prédio. Durante essas caminhadas, os guardas ficavam de prontidão, atentos à possível presença de atiradores. Três lados do pátio eram cercados de prédios que com frequência eram usados pela polícia húngara.
Aquela rotina ainda era a mesma quando, 14 anos mais tarde, o jovem diplomata americano William Shepard assumiu seu posto na embaixada. O cardeal, no entanto, tinha aprendido a falar inglês.
Durante sua primeira caminhada com o cardeal no pátio, Shepard se deu conta de que as forças de segurança não haviam se esquecido do religioso dissidente.
“Saí com ele e várias janelas se abriram. Era noite e havia flashes por toda a parte”, contou. “O que está acontecendo?”, perguntei.
“Esses são os fotógrafos comunistas – a AVO (polícia secreta)- Eles estão tirando a sua foto. A ideia é que você se sinta intimidado.”
Shepard se encontrava regularmente com o cardeal.
“Ele nunca impunha sua presença. Eu olhava e, de vez em quando, lá estava ele no meu escritório. Eu me levantava e perguntava se ele queria conversar um pouco”, o diplomata recordou. “Mas na verdade, ele passava a maior parte do tempo no seu escritório”


O cardeal ocasionalmente relaxava. “Não sei ao certo se ele tinha uma TV, mas sei que às vezes ele assistia a filmes”. Segundo o diplomata, o cardeal havia detestado um filme baseado em sua própria história que assistira.
O clima político foi melhorando aos poucos e muitos dos presos foram libertados. Após debater “o caso da Hungria” durante anos, a ONU aceitou formalmente, em 1963, as credenciais do novo governo húngaro.
No entanto, tirar o cardeal da embaixada continuava sendo um problema. O religioso tinha ficado no centro de um impasse da Guerra Fria que envolvia o governo húngaro, a União Soviética, os Estados Unidos e o Vaticano. Pessoalmente, ele relutava em fazer qualquer acordo enquanto os comunistas permanecessem no poder.
“Do seu ponto de vista, as coisas eram muito rígidas”, contou o diplomata. “Não somos livres agora, deveríamos ser – então por que negociar com essas pessoas?” – era a lógica do cardeal, nas palavras de Shepard.
Mas Mindszenty também teria demonstrado, em raras ocasiões, sua frustração. “Lembro que um dia, após uma missa na embaixada, ele disse – a ninguém em particular: ‘O que estou fazendo aqui? Tantas pessoas precisando de ajuda. O que estou fazendo aqui?’”

Aceno

Por volta de 1971, os Estados Unidos tentavam melhorar suas relações com a Hungria. Com o apoio dos americanos, um acordo foi feito, apesar de alguma resistência por parte do cardeal: Jozsef Mindszenty deixaria a embaixada no dia 28 de setembro de 1971.
Sua partida seria mantida em segredo, não haveria multidões para assistir à sua saída. A rua em torno da embaixada foi bloqueada e o parque em frente ao prédio estava vazio.
Mas a esposa de Shepard, Lois, havia decidido que alguém precisava ser testemunha daquele momento, os primeiros passos do cardeal fora da embaixada em 15 anos.



“A porta se abriu, e eu consigo ver a cena até hoje. Ele parou ali, com seu suntuoso manto vermelho, e acenou largamente, como que para multidões”, diz Lois Shepard.
“Eu estava parada ao lado do meu carro e acenei de volta, sorrindo. Ele sorriu para mim, ele me viu. Entrou no carro, as cortinas pretas foram puxadas nas janelas e ele se foi.”
O cardeal voou para Roma, onde publicou as memórias que escrevera durante o período na embaixada.
Jozsef Mindszenty morreu no exílio, em Viena, em 1975, aos 83 anos.
Dentro do prédio da embaixada americana em Budapeste, uma placa comemora o seu hóspede com a estadia mais longa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário