O que Jesus revelava era um paradoxo, dos inúmeros de sua pregação. O
senso comum recusa suas palavras, enquanto sustenta a escalada de
privilégios na sociedade. Para Jesus, o justo é aquele que incomoda o
injusto, porque vai denunciar o seu agir contrário à legalidade.
O justo ao denunciar os atos errados do injusto acaba por ocasionar
sua ira, pois ele não se considera errado, mas sim esperto. Jesus
identifica a acolhida de Deus aos empobrecidos, despojados de dignidade,
fracos, com o acolhimento que devemos dar às crianças. Aqueles que não
têm direitos, dignidade, cidadania, nem quem olhe por eles. Os últimos
na escala social, os desprezados, os “improdutivos” eram levados em
conta na chegada do Reino de Deus. O fenômeno da padronização de
consumidores, na sociedade recente, repercute de forma decisiva sobre os
empobrecidos e os “sem nome” na lista da família dos poderosos.
O vestuário, a utilização dos meios de transporte, o lazer, a
proteção e seguridade social, a habitação, a escola, o sistema de saúde,
demonstram o quão distantes estão os empobrecidos dos recursos
disponíveis e da distribuição dos bens sociais. Temos aqui uma
democracia eleitoral, mas falta uma democracia participativa na
distribuição dos bens sociais; falta democracia na distribuição do
trabalho e da produção; falta democratizar as riquezas que certamente
existem neste país. A rigor, ainda vivemos sob conceitos da democracia
dos filósofos da antiguidade, na Grécia antiga: democracia só para as
elites e para os de boa posição na sociedade.
Os “pequenos” são vítimas das desigualdades sociais, por afinidade. O
Evangelho, porém, faz gerar novos símbolos que se contraporão às formas
de linguagem e aos modelos que sustentam a sociedade consumista,
juntamente com os valores desumanos a que se recorrem para justificar a
competição desigual e a ganância galopante. Estas têm se transformado em
virtudes… Assim é a pedagogia da ganância.
A cobiça pelo dinheiro, prestígio e mando, pode levar a um caminho
sem volta, e nos afastar do Cristianismo de maneira irreversível,
adverte São Tiago. Uma explicação simples e eficaz da causa dos
conflitos na comunidade cristã encontra-se na ambição ou ganância. Com
efeito, ninguém rouba, mata ou arruína a vida alheia se não estiver
movido por algum tipo de ambição.
Lembrando que São Tiago dirige-se aos cristãos da comunidade de
Jerusalém. Os de fora, pagãos, não merecem sua atenção. O apóstolo
detecta crimes cometidos no seio da comunidade, sem excluir até mesmo a
existência de assassinatos: “sois assassinos e invejosos”
(4,2). Não é uma metáfora. Os cristãos praticavam coisas condenáveis,
adverte. Isso depois de enumerar a maledicência, a rivalidade, a disputa
de poder dentro da comunidade. O desejo de ser mais forte que os
demais, de se ter mais poder econômico, de se assegurarem privilégios e
poder de mando, são manifestações da ambição e ganância. O problema de
tais condutas, inspiradas e patrocinadas pela sociedade, é que o ideal
de vida – inclusive o de pessoas cristãs – é contaminado pelo desejo e
luta pela posse e acumulação de bens. E não se trata aqui somente de
dinheiro e bens imóveis ou financeiros.
No movimento de Jesus os discípulos são envolvidos com questões de
suma importância. Trata-se do escândalo da negação de legitimidade para
ambiciosos de poder, na comunidade eclesial e fora dela. A discussão dos
discípulos, concentrados não em seu ensinamento, mas na repartição dos
cargos burocráticos de um hipotético governo, como um exemplo da vida
diária. Está na pauta, é parte dos ensinamentos de Jesus. Os discípulos
devem superar o medo cultural que os invade e que impede de dirigirem-se
a Ele com mais confiança, sem obediência hierárquica.
Jesus lança mão de uma estratégia pedagógica muito engenhosa: a
“criança” era uma das criaturas mais insignificantes da cultura
israelita. Por sua fragilidade física ainda em formação e idade, a
criança não estava em condições de participar da guerra, da política e
nem da vida religiosa. Jesus coloca um desses pequenos para o meio deles
e lhes mostra como o presente e o futuro da comunidade está dependendo
das pessoas mais esquecidas e mais simples. Somente assim há de se
reverter o sistema de valores. E só dessa maneira a comunidade se
tornará uma alternativa diante do “mundo” que só valoriza as pessoas
endinheiradas, com uma boa posição social ou os que têm poder político e
econômico.
A novidade de Jesus consiste em tornar grande o pequeno. Ao dar valor
aos que fazem os trabalhos mais humildes e às pessoas tidas
culturalmente – dentro da sociedade – como insignificantes “zero à
esquerda”, Ele aponta para a igualdade de direitos e a dignidade de
todos.
Marcos reúne numa só instrução uma série de sentenças de Jesus,
conservadas e transmitidas pelas gerações e tradições primitivas da
Igreja. O centro da ação de Jesus é uma casa em Cafarnaum, lugar
transformado em escola de apóstolos. Predomina a instrução sobre a
humildade. Melhor: o pequeno é “grande” diante de Deus. Os socialmente
humildes, sem poder econômico, sem terra, sem emprego, sem teto, sem
defesa nas causas levadas aos tribunais, sem nada que os destaque e
espelhe dignidade devida e concedida por direito, ocupam lugar central
no Reino de Deus. Os oprimidos e esquecidos pela sociedade merecerão a
atenção graciosa de Deus.
Pois bem, meu irmão, escute as palavras de Nosso Senhor. Ele nos adverte: “Se alguém quer ser o primeiro, seja o último de todos e o servo de todos”.
Senhor Jesus, tira do meu coração todo ideal humano de grandeza, e faz-me compreender que ela consiste em fazer-me servidor.
Padre Bantu Mendonça
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