Ao
chegar do Kuwait para fazer faculdade nos Estados Unidos, Mai Alhamad
se perguntava como os americanos receberiam uma muçulmana, especialmente
alguém cujo véu, cobrindo a cabeça, identifica a sua identidade
religiosa.
Em
qualquer uma das inúmeras universidades laicas que ela poderia ter
escolhido, a religião – pelo menos em teoria – seria irrelevante. Mas,
em vez disso, ela escolheu uma instituição que parece sublinhar o seu
estatuto de membro de uma minoria religiosa. Ela se matriculou na
Universidade de Dayton, ligada à Igreja Católica Romana, e diz estar
satisfeita com ela.
“Aqui
as pessoas são mais religiosas, mesmo as que não são muçulmanas, e eu
me sinto bem com isso”, disse Alhamad, estudante de Engenharia Civil,
enquanto várias outras mulheres muçulmanas reunidas no centro estudantil
concordaram, acenando com a cabeça. “Eu me sinto mais confortável
conversando com um cristão do que com um ateu.”
Uma
década atrás, a Universidade de Dayton, com 11 mil alunos de graduação e
pós-graduação, tinha apenas 12 vindos de países predominantemente
muçulmanos, todos eles homens, disse Amy Anderson, diretora do Centro de
Programas Internacionais da universidade. No ano passado, disse ela,
havia 78, e cerca de um terço deles eram mulheres.
O
fluxo de estudantes do mundo muçulmano em faculdades e universidades
dos Estados Unidos tem crescido muito nos últimos anos, e as mulheres,
embora em número bem menor do que os homens, são responsáveis por uma
parcela crescente.
Não
há estatísticas definitivas disponíveis, mas entrevistas com alunos e
administradores de várias instituições católicas indicam um ritmo ainda
mais rápido de crescimento nessas instituições: a população estudantil
muçulmana dobrou na última década, e o número de mulheres muçulmanas ao
menos triplicou.
Nessas
universidades, os estudantes muçulmanos, dos Estados Unidos ou do
exterior, dizem preferir uma instituição onde conversas sobre crenças
religiosas e a adesão a um código religioso são aceitas e até mesmo
estimuladas, social e academicamente. Tendo ou não razão, muitos deles
dizem acreditar que são mais aceitos do que seriam em universidades
laicas.
“Eu
gosto do fato de que existe fé, mesmo que não seja a minha fé, e eu
sinto que minha fé é respeitada”, disse Maha Haroon, estudante do curso
preparatório para Medicina da Universidade Creighton, em Omaha,
Nebraska, que nasceu no Paquistão e cresceu nos Estados Unidos. “Eu não
tenho que deixar minha fé em casa quando eu venho para a universidade.”
Ela
e a sua irmã gêmea, Zoha, disseram ter escolhido a Creighton em parte
com base em características atreladas à identidade religiosa da
instituição, como requisitos de serviços comunitários e aulas de
Teologia que lançam luz sobre a forma como diferentes religiões abordam
questões éticas.
Muitos
estudantes muçulmanos, especialmente as mulheres, dizem basear a
escolha de onde vão cursar a faculdade, em parte, na ideia de que as
instituições católicas seriam menos permissivas do que outras nos
Estados Unidos, embora o comportamento que eles dizem que testemunham
possa mais tarde colocar isso em questão.
Eles
gostam da prevalência de andares de dormitórios separados por sexo, e
até mesmo de dormitórios separados por sexo em algumas universidades.
“Pensei que combinaria mais comigo por ser mais tradicional, um pouco
mais conservador”, disse Shameela Idrees, estudante paquistanesa de
Administração da Universidade Marymount, em Arlington, Virgínia, que
inicialmente morou em um dormitório só de mulheres.
Algumas
das mulheres vão parar em universidades católicas mais ou menos
acidentalmente – algumas são casadas e simplesmente se matriculam nos
lugares para onde os maridos vão, enquanto outras são encaminhadas para
universidades particulares pelo governo de seu país de origem.
Contudo,
para outras, trata-se de uma escolha consciente, baseada em
recomendações de amigos ou parentes, ou em impressões que tiveram ao
crescer em alguns lugares, como o Líbano, que têm fortes tradições de
escolas paroquiais.
A maioria das universidades diz que não busca especificamente atrair estudantes muçulmanos.
“Não
existe nenhum esforço consciente”, disse o reverendo Kail Ellis, padre e
vice-presidente de assuntos acadêmicos da Universidade Villanova, que
fica perto de Filadélfia. “É basicamente uma coisa que acontece por
causa do boca a boca e da reputação.”
Os
estudantes muçulmanos daqui atribuem a decisão às acomodações
proporcionadas pela Universidade de Dayton, como disponibilizar espaços
para que eles rezem – um quarto pequeno para o uso diário e dois maiores
para as sextas-feiras – e instalar uma sala de ablução para a lavagem
tradicional de mãos e pés antes da reza.
A
universidade também ajuda os estudantes a organizarem celebrações dos
principais feriados religiosos, e contrata um fornecedor de carne
abatida de acordo com o sistema halal para eventos especiais.
“Antes
estudei em outra universidade onde não nos respeitam muito”, disse a
saudita Manal Alsharekh, estudante de Engenharia da Universidade de
Dayton.
Mesmo
assim, a adaptação a uma universidade dos Estados Unidos pode ser
chocante, especialmente para as mulheres. Elas são minoria, mesmo dentro
da minoria de estudantes muçulmanos. Muitas delas seguem restrições à
interação com não-familiares, e os véus ou similares que cobrem a cabeça
da maioria delas impossibilita que se integrem.
O
grau de choque cultural vivenciado pelos estudantes varia tanto quanto
as tradições nas quais eles cresceram. Alguns comem carnes que não
passaram por um abate adequado ao sistema halal, servida diariamente nos
refeitórios universitários. Outros aceitam comê-la apenas depois de
proferir uma bênção sobre ela. Outros preferem não comê-la de jeito
nenhum.
Quando
muçulmanas estrangeiras se reúnem aqui, é possível perceber que os
trajes tradicionais variam amplamente. Enquanto Ayse Cayli, estudante de
pós-graduação da Turquia, não cobre a cabeça e usa shorts e camiseta,
Alsharekh, quando está em público, usa um manto sobre as roupas e um véu
que cobre a maior parte de seu rosto. A maioria delas usa um hijab, um
véu que cobre a cabeça, e roupas ocidentais elegantes, mas bastante
conservadoras, que vão até os tornozelos e os pulsos, mesmo quando o
clima está quente.
A
perspectiva de estudar em uma instituição identificada como cristã,
muitas vezes pela primeira vez na vida, pode ser intimidante.
“Eu
tinha medo de que eles não gostassem de mim porque eu sou muçulmano, ou
que quisessem que eu fosse à igreja”, disse Falah Nasser Garoot, aluno
de pós-graduação em Administração da Universidade Xavier, em Cincinnati.
“No começo, quando eu vi as cruzes nas paredes da sala de aula, foi
muito estranho para mim.”
Fatema
Albalooshi, aluna de pós-graduação do Bahrein que está estudando
Engenharia na Universidade de Dayton, disse que quando pesquisou a
instituição pela primeira vez, pensou que os cursos católicos seriam
obrigatórios.
E
para as mulheres, especialmente, identificáveis pelos véus que cobrem a
cabeça, sempre existem perguntas. “As pessoas me param e fazem
perguntas. Desconhecidos completos me perguntam sobre o véu. Eles têm
curiosidade sobre como eu me visto”, disse Hadil Issa, aluna da
Universidade de Dayton que cresceu nos territórios palestinos e nos
Estados Unidos. Quanto mais cobertas elas andam, mais respondem
perguntas sobre se sentem calor no verão. Os muçulmanos respondem
perguntas sobre etiqueta feitas por estudantes que planejam visitar o
Oriente Médio. E, muitas vezes, também sobre o motivo que os levou a
frequentar uma instituição católica.
“Eu
digo às pessoas que o ambiente daqui é muito caloroso e acolhedor”,
disse Issa. “Eu me sinto aceita aqui, e é isso que importa.”
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