domingo, 23 de setembro de 2012

Como se sentem muçulmanos estrangeiros que estudam em universidades católicas americanas?

Ao chegar do Kuwait para fazer faculdade nos Estados Unidos, Mai Alhamad se perguntava como os americanos receberiam uma muçulmana, especialmente alguém cujo véu, cobrindo a cabeça, identifica a sua identidade religiosa.
Em qualquer uma das inúmeras universidades laicas que ela poderia ter escolhido, a religião – pelo menos em teoria – seria irrelevante. Mas, em vez disso, ela escolheu uma instituição que parece sublinhar o seu estatuto de membro de uma minoria religiosa. Ela se matriculou na Universidade de Dayton, ligada à Igreja Católica Romana, e diz estar satisfeita com ela.
“Aqui as pessoas são mais religiosas, mesmo as que não são muçulmanas, e eu me sinto bem com isso”, disse Alhamad, estudante de Engenharia Civil, enquanto várias outras mulheres muçulmanas reunidas no centro estudantil concordaram, acenando com a cabeça. “Eu me sinto mais confortável conversando com um cristão do que com um ateu.”
Uma década atrás, a Universidade de Dayton, com 11 mil alunos de graduação e pós-graduação, tinha apenas 12 vindos de países predominantemente muçulmanos, todos eles homens, disse Amy Anderson, diretora do Centro de Programas Internacionais da universidade. No ano passado, disse ela, havia 78, e cerca de um terço deles eram mulheres.
O fluxo de estudantes do mundo muçulmano em faculdades e universidades dos Estados Unidos tem crescido muito nos últimos anos, e as mulheres, embora em número bem menor do que os homens, são responsáveis por uma parcela crescente.
Não há estatísticas definitivas disponíveis, mas entrevistas com alunos e administradores de várias instituições católicas indicam um ritmo ainda mais rápido de crescimento nessas instituições: a população estudantil muçulmana dobrou na última década, e o número de mulheres muçulmanas ao menos triplicou.
Nessas universidades, os estudantes muçulmanos, dos Estados Unidos ou do exterior, dizem preferir uma instituição onde conversas sobre crenças religiosas e a adesão a um código religioso são aceitas e até mesmo estimuladas, social e academicamente. Tendo ou não razão, muitos deles dizem acreditar que são mais aceitos do que seriam em universidades laicas.
“Eu gosto do fato de que existe fé, mesmo que não seja a minha fé, e eu sinto que minha fé é respeitada”, disse Maha Haroon, estudante do curso preparatório para Medicina da Universidade Creighton, em Omaha, Nebraska, que nasceu no Paquistão e cresceu nos Estados Unidos. “Eu não tenho que deixar minha fé em casa quando eu venho para a universidade.”
Ela e a sua irmã gêmea, Zoha, disseram ter escolhido a Creighton em parte com base em características atreladas à identidade religiosa da instituição, como requisitos de serviços comunitários e aulas de Teologia que lançam luz sobre a forma como diferentes religiões abordam questões éticas.
Muitos estudantes muçulmanos, especialmente as mulheres, dizem basear a escolha de onde vão cursar a faculdade, em parte, na ideia de que as instituições católicas seriam menos permissivas do que outras nos Estados Unidos, embora o comportamento que eles dizem que testemunham possa mais tarde colocar isso em questão.
Eles gostam da prevalência de andares de dormitórios separados por sexo, e até mesmo de dormitórios separados por sexo em algumas universidades. “Pensei que combinaria mais comigo por ser mais tradicional, um pouco mais conservador”, disse Shameela Idrees, estudante paquistanesa de Administração da Universidade Marymount, em Arlington, Virgínia, que inicialmente morou em um dormitório só de mulheres.
Algumas das mulheres vão parar em universidades católicas mais ou menos acidentalmente – algumas são casadas e simplesmente se matriculam nos lugares para onde os maridos vão, enquanto outras são encaminhadas para universidades particulares pelo governo de seu país de origem.
Contudo, para outras, trata-se de uma escolha consciente, baseada em recomendações de amigos ou parentes, ou em impressões que tiveram ao crescer em alguns lugares, como o Líbano, que têm fortes tradições de escolas paroquiais.
A maioria das universidades diz que não busca especificamente atrair estudantes muçulmanos.
“Não existe nenhum esforço consciente”, disse o reverendo Kail Ellis, padre e vice-presidente de assuntos acadêmicos da Universidade Villanova, que fica perto de Filadélfia. “É basicamente uma coisa que acontece por causa do boca a boca e da reputação.”
Os estudantes muçulmanos daqui atribuem a decisão às acomodações proporcionadas pela Universidade de Dayton, como disponibilizar espaços para que eles rezem – um quarto pequeno para o uso diário e dois maiores para as sextas-feiras – e instalar uma sala de ablução para a lavagem tradicional de mãos e pés antes da reza.
A universidade também ajuda os estudantes a organizarem celebrações dos principais feriados religiosos, e contrata um fornecedor de carne abatida de acordo com o sistema halal para eventos especiais.
“Antes estudei em outra universidade onde não nos respeitam muito”, disse a saudita Manal Alsharekh, estudante de Engenharia da Universidade de Dayton.
Mesmo assim, a adaptação a uma universidade dos Estados Unidos pode ser chocante, especialmente para as mulheres. Elas são minoria, mesmo dentro da minoria de estudantes muçulmanos. Muitas delas seguem restrições à interação com não-familiares, e os véus ou similares que cobrem a cabeça da maioria delas impossibilita que se integrem.
O grau de choque cultural vivenciado pelos estudantes varia tanto quanto as tradições nas quais eles cresceram. Alguns comem carnes que não passaram por um abate adequado ao sistema halal, servida diariamente nos refeitórios universitários. Outros aceitam comê-la apenas depois de proferir uma bênção sobre ela. Outros preferem não comê-la de jeito nenhum.
Quando muçulmanas estrangeiras se reúnem aqui, é possível perceber que os trajes tradicionais variam amplamente. Enquanto Ayse Cayli, estudante de pós-graduação da Turquia, não cobre a cabeça e usa shorts e camiseta, Alsharekh, quando está em público, usa um manto sobre as roupas e um véu que cobre a maior parte de seu rosto. A maioria delas usa um hijab, um véu que cobre a cabeça, e roupas ocidentais elegantes, mas bastante conservadoras, que vão até os tornozelos e os pulsos, mesmo quando o clima está quente.
A perspectiva de estudar em uma instituição identificada como cristã, muitas vezes pela primeira vez na vida, pode ser intimidante.
“Eu tinha medo de que eles não gostassem de mim porque eu sou muçulmano, ou que quisessem que eu fosse à igreja”, disse Falah Nasser Garoot, aluno de pós-graduação em Administração da Universidade Xavier, em Cincinnati. “No começo, quando eu vi as cruzes nas paredes da sala de aula, foi muito estranho para mim.”
Fatema Albalooshi, aluna de pós-graduação do Bahrein que está estudando Engenharia na Universidade de Dayton, disse que quando pesquisou a instituição pela primeira vez, pensou que os cursos católicos seriam obrigatórios.
E para as mulheres, especialmente, identificáveis pelos véus que cobrem a cabeça, sempre existem perguntas. “As pessoas me param e fazem perguntas. Desconhecidos completos me perguntam sobre o véu. Eles têm curiosidade sobre como eu me visto”, disse Hadil Issa, aluna da Universidade de Dayton que cresceu nos territórios palestinos e nos Estados Unidos. Quanto mais cobertas elas andam, mais respondem perguntas sobre se sentem calor no verão. Os muçulmanos respondem perguntas sobre etiqueta feitas por estudantes que planejam visitar o Oriente Médio. E, muitas vezes, também sobre o motivo que os levou a frequentar uma instituição católica.
“Eu digo às pessoas que o ambiente daqui é muito caloroso e acolhedor”, disse Issa. “Eu me sinto aceita aqui, e é isso que importa.”

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