As
respostas a essas perguntas estão contidas na doutrina da Igreja a
respeito da felicidade divina. Felicidade infinita da qual somos
chamados a participar. Esta felicidade verdadeira e suprema não é
passageira, nem falsa, nem oculta; ao contrário, é mais acessível do que
se pensa. Da felicidade absoluta, eterna e perfeita goza o próprio
Criador: “Deus é feliz” (1Tm 6,15). Nem os montes, nem as profundezas,
nem qualquer vastidão podem ser usadas como termo de comparação à
felicidade infinita do Criador.
Para
entendermos algo desta Beatitude Divina, é necessário, antes, definir
com clareza em que consiste a verdadeira felicidade humana. Entendendo
nossa própria aspiração, compreender-se-á a beatitude divina.
O que significa ser feliz?
A
felicidade é nossa aspiração constante, mola de todas as nossas ações e
objetivo último de todos os nossos planos[1]. No entanto, para a
obtenção desse fim, as opiniões dos homens divergem. Onde se encontra,
pois, a felicidade?
São
Tomás distingue várias formas de ser feliz. Existe a felicidade dos
prazeres terrenos, alguns lícitos, como comer um alimento saboroso ou
ouvir uma boa música; outros que, embora deem ao homem gozo real,
ofendem a Deus e a natureza, como o pecado da gula, da bebedeira e da
impureza; existe a felicidade do mando e da riqueza, que, em última
análise, mais do que mera sede de prazeres, funda-se no vício do orgulho
e consiste no desejo de poder e glória.
Por
outro lado, há também a felicidade da admiração e da contemplação.
Degustamos dela ao considerar um belo e grandioso panorama, ou ao nos
entretermos com o encanto de um animalzinho, ou, ainda, ao meditar em
realidades superiores à vida cotidiana.
A Felicidade de Deus
São
Tomás ensina que tudo que é desejável em qualquer bem-aventurança, seja
verdadeira ou até mesmo falsa, preexiste total e eminentemente na
bem-aventurança divina. Portanto, todo gozo, sabor, maravilha, poder,
glória e riqueza possíveis ao homem estão contidos na felicidade de
Deus[3].
São Tomás de Aquino |
Em
Deus há ainda felicidade superior. Como vimos, São Tomás define a
felicidade como “o bem perfeito dos seres intelectuais”[6]. De fato, a
felicidade da alma supera a felicidade do corpo. O que seriam todos os
deleites terrenos sem a alegria do espírito? Esta definição de
felicidade é a mais aplicável à felicidade Divina. Deus possui todo bem,
perfeição e conhecimento, portanto a Ele convém a máxima felicidade.
Por isso, ensina Santo Agostinho: “Bem aventurado aquele que te conhece,
ainda que ignore tudo o mais”[7]. A felicidade de Deus reside em,
conhecendo a si mesmo, deleitar-se e amar-se a si mesmo de modo
perfeito.
“Deus
não necessita dos nossos louvores”[8]. Tal é a felicidade divina que
Ele nem mesmo precisa das glórias que podemos lhe atribuir. A glória de
seu Ser infinito é o seu máximo louvor. Deus é feliz em si mesmo pelo
simples fato de ser e existir.
Deus é a felicidade
Narra
o Evangelho que, tendo Jesus deixado a Judeia, voltou à Galileia. Ao
passar pela Samaria, região desprezada pelos judeus, dirigiu-se a uma
localidade chamada Sicar, junto às terras que Jacó, mais de 1500 anos
antes, havia dado a seu filho José.
Naquele
evocativo local havia o conhecido poço de Jacó. Os ardores do meio-dia
agravavam em Jesus as fadigas da viagem, e por isso sentou-se Ele à
beira da cisterna. Como os discípulos foram à cidade para comprar
mantimentos, Jesus pediu a uma mulher samaritana que tirava água: “Dá-me
de beber” (Jo 4,7).
Não
sem perplexidade aquela samaritana considerou um judeu a falar consigo,
a respeito de uma misteriosa água: “Se conhecesses o dom de Deus, e
quem é que te diz: ‘Dá-me de beber’, certamente lhe pedirias tu mesma, e
ele te daria uma água viva”.
Santo Agostinho |
A
água viva e inextinguível de felicidade humana, para a qual todo homem
acorre, está em seu último fim, Deus, por meio de Jesus Cristo. A alma
humana quer esta água viva e eterna dada pelo Divino Mestre, fonte
inextinguível de felicidade. Deus é a finalidade de todo o Universo e o
homem só será feliz quando atingir esta finalidade. Diz Santo Agostinho
que “buscar a Deus é ânsia ou amor da felicidade, e sua possessão, a
felicidade mesma”[9]. Nesta bem-aventurança encontramos a essência da
felicidade: alegria de ser, viver e existir com Deus e para Deus.
Participar
desta felicidade divina nos faz generosos e alegres[10]. Daí se
originam novas forças para adquirir ainda maiores parcelas de verdadeira
felicidade, mediante a prática de atos e virtudes moralmente boas. E,
com isso, assemelhar-se mais ao Criador[11].
Por Marcos Eduardo Melo dos Santos
[1] Cf. MONDIN, Battista. Quem é Deus? Elementos de teologia filosófica. São Paulo: Paulus, 1997.
[2] Status omnium bonorum aggregatione perfectus. Boécio. De Consolatione Philosophiae, 3, 2.
[3] Cf. São Tomás de Aquino. Suma Teológica. I-II, q. 26, a. 4.
[4] Cf. Boécio. De Consolatione Philosophiae.3,2. ML : 63, 726 A.
[5] São Tomás de Aquino. Suma Teológica I, q. 26, a. 4.
[6] São Tomás de Aquino. Suma Teológica. I, q. 26, a.1.
[7] Santo Agostinho. Confessiones. 5,4: ML 32,708.
[8] São Gregório Magno. Moralia32,6,7: ML 76,639 D.
[9] Santo Agostinho., 1,11,18.
[10] São Tomás de Aquino. Suma Teológica. I, q. 26, a. 4.
[11] Cf. LAUAND, Luiz Jean. Tomás de Aquino, hoje. Curitiba: Champagnat, 1993, p. 41.
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